Já faz algum tempo que ando revendo minha rotina e o que ando fazendo comigo mesma. Durante esses momentos, muitas vezes me pego lembrando de uma trecho da bíblia onde é contada uma pequena história sobre “Marta” e “Maria”.
Eu venho de uma família católica, regada a missas de domingo e catequese aos finais de semana. Batizei, crismei… fiz todo o processo - portanto, minha infância, minha mente e meu inconsciente são recheados de histórias bíblicas.
Enfim, pelo que lembro, Jesus quando fazia as viagens dele muitas vezes ficava na casa de um amigo que tinha duas irmãs: Marta e Maria. Num belo dia, durante uma dessas visitas, Marta estava super ocupada arrumando tudo, garantindo alimentação e conforto para todos, enquanto Maria estava sossegada, sentada aos pés de Jesus, simplesmente ouvindo e absorvendo tudo o que ele tinha para dizer.
Marta, atarefada, cansada e com raiva reclamou pedindo a interferência de Jesus diante dessa injustiça. Ela queria que Maria fosse ajudá-la com os deveres todos. Jesus, muito sabiamente - (aliás, uma sabedoria que eu duvidei por muito tempo…) respondeu que não faria isso pois “pouca coisa era necessária” - melhor dizendo, que havia apenas uma única coisa que era realmente necessária - e ela era exatamente o que Maria estava fazendo. Sendo assim, isso não seria tirado dela, já que “ela tinha escolhido a boa parte”.
Essa é apenas uma das histórias marcaram os domingos da minha infância enquanto ouvia os sermões dos padres - muitas vezes sem entender absolutamente nada…
Vocês não fazem idéia de como essa história já mexeu comigo, como ela já deu os mais diversos nós na minha cabeça, quantas vezes eu achei que havia compreendido para depois descobrir que não… ainda não.
Minha cabeça da época simplesmente não conseguia aceitar a idéia de que a atitude de Jesus havia sido “boa”, “sábia” ou amorosa. Como que o que ele fez podia ser considerado “justo”?! Tudo que eu via, no alto dos meus 8 ou 9 anos, era uma mulher ser injustiçada em decorrência de uma ser “protegida” (e isso acabava comigo)
É óbvio que, naquela época, eu me identificava com a Marta - e isso, vez ou outra, ainda acontece.
Hoje, busco celebrar cada passo dado nessa “desidentificação” e observar quando estou na “identificação”. Aos poucos, a possibilidade de escolha fica mais clara na minha consciência e muitas vezes eu já a percebo antes de agir. Porém, é claro que várias vezes eu também ainda me pego já optando pelo caminho mais árduo - e não pelo que me fará (realmente) crescer, florescer e viver - com prazer e alegria, além do trabalho e estudo.
O ponto é que, mesmo já estando consciente, o apego a essa forma de agir (ao hábito que adquirimos) ainda persiste, deixando claro algumas faces da minha “vítima” interna. Perceber isso me ajuda a dar passos nesse aspecto e a conhecer um pouco mais esse lado que possuo.
Mas e aí? O que faço isso? Como páro de me escravizar e passo a “me escolher”, a escolher aquilo que alimenta minha alma e traz prazer para a minha vida?
Voltando à história do início, por muito tempo não entendi qual era propósito da mensagem. Mais tarde chegou um tempo no qual eu comecei a entender racionamento o que o texto tentava passar. Mas mesmo assim ainda não mexia comigo, não chegava.
A revolta havia passado, já havia compreendido e aceitava que ali tinha algo bom. Com isso, parei de questionar e achei que tinha aprendido a lição. Tipo: “Ok, Universo! Manda a próxima da lista porque dessa eu já dei conta, beleza?! Tô cansada desse papo aqui...Já deu”
Hoje, percebo que a coisa não tinha evoluído tanto assim - no fundo, eu apenas tinha empurrado um pouco mais pra baixo do tapete, espalhando bonitinho para não fazer volume, sabe? Sei e reconheço a mensagem. Vejo o problema que essa identificação causa em mim e como causa, mas permaneço caindo na armadilha (ok, com menos frequencia e saindo com mais de facilidade... Mas ainda caio).
É como se houvesse um imã gigante atraindo todas as demandas e obrigações para minha direção - e aquelas que fossem desviadas da rota, pelo motivo que fosse, eu dava um jeito de ir buscar. Acreditando que aquilo era estritamente necessário para minha vida, que não posso dizer não, que sim, pego mais um pouco (só mais uma vez, se ficar pesado eu abro mão…)
Bom, esse padrão descrito aí em cima me rendeu um lindo currículo de desistências, porque é óbvio que não dei conta de tudo sempre.
Ultimamente minha questão motivadora tem sido observar, sentir a mim mesma, antes de dar qualquer passo em direção a novos projetos, novas obrigações. Busco sentir em mim e me abrir, cada vez mais, para a possibilidade de dizer “não”, simplesmente “não”.
Algumas vezes é difícil separar o “joio” do “trigo”. Esperar e entender o que se passa dentro antes de “agarrar” a oportunidade que parece “gritar” na minha frente. É preciso esforço e honestidade para ver como fujo do prazer e da alegria na vida, de horas livres, de coisas simples como “ficar a toa”. Aceitar que, muitas vezes, não quero e não sustento me ver feliz e plena (que existe sim uma parte minha não consegue lidar com isso).
Mas hoje eu também sei que sem essa aceitação a mudança não vem. Que preciso olhar bem de pertinho e de frente todas as minhas partes. Conhecê-las, aceitá-las, abraçá-las.
A partir daí, um novo hábito é possível e pode ser permanente, de forma saudável e equilibrada, sem me violar no processo. É preciso descobrir cada cantinho desse “EU” que não crescer e ser feliz. Que não quer ser pleno. Pois sei que TAMBÉM que possuo uma parte muito forte e importante que quer florescer, construir, amadurecer e dar a cara pra vida. Que quer e já sabe amar. Que quer criar formas construtivas e prazerosas de viver. E a partir de hoje eu escolho dar voz a esta parte.
Alessandra Girotto – Sou Psicanalista, Coach, MoonMother, Ativadora de TendaVermelha e Terapeuta Holística. Focalizo Dança Circular e Círculo de Mulheres desde 2015. Atualmente participo do Programa “Pathwork® de Transformação Pessoal” e da formação nas “Novas Constelações Familiares”.
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